quarta-feira, 2 de maio de 2012


Transportar com cuidado
João Pereira Coutinho
"O coração é elástico quando somos adolescentes e estúpidos. Esvazio a casa em plena mudança. E encontro, perdidas em gavetas, fotografias e cartas e vestígios de areia que ficaram de verões passados. Amores de um mês, conhecimentos de praia que foram como vieram, mesmo quando nesse tempo tudo parecia eterno e as promessas tinham o peso das declarações definitivas. Eu nunca vou te esquecer, diziam os dois. Despediam-se, choravam, havia uma orquestra imaginária que descia dos céus. As ondas imolavam-se contra as rochas, como num filme de Hitchcock.
Nas semanas seguintes, as cartas trocavam-se com uma urgência só concedida aos amantes nas óperas clássicas. Combinavam-se prazos. Memorizavam-se estações ferroviárias, como nos filmes franceses tão cheios de tristeza e neblina. "Eu estarei lá." Mas a vida intrometia-se entretanto, o outono chegava para arrefecer os corpos e havia cartas mais esparsas -uma por semana, uma por mês- até só restar silêncio e memória e mais nada.
Ficaram fotografias. Que será feito dessa garota de Birmingham, que conheci no sul de Portugal, e com que me via de fraque e cartola a subir ao altar? Tinha o mais belo nome que uma criatura pode ter (Dawn, "madrugada") e as cartas, dela, alternando na cor (rosa, azul, verde) e polvilhadas por estrelas brilhantes que se colavam ao papel como maquiagem nas faces de uma corista, prometiam tudo e exigiam tudo. O mesmo para uma belga, que conheci em circunstâncias semelhantes e que em circunstâncias semelhantes fui esquecendo, ou por quem fui esquecido.
Imagino-as casadas, hoje, e na limpeza sazonal da casa, talvez na fase do divórcio, uma delas encontrará a fotografia perdida de um adolescente português. Alguém perguntará quem é o personagem do retrato. Elas dirão que não sabem, ou não se lembram. E sorrirão por dentro, como normalmente sorrimos com um segredo, ou uma piada privada.
O coração é elástico quando somos adolescentes e estúpidos. Morremos várias vezes, ressuscitamos várias vezes. Usamos e abusamos desse músculo que bate apressadamente no peito como um tambor festivo porque acreditamos que a festa é móvel, como na Paris de Hemingway, um carrossel que não pára nunca, e que cada tristeza será redimida por uma nova alegria triste.
Mas envelhecemos. O coração bate mais devagar. As ondas não rebentam contra as rochas ao som da orquestra: são agora espuma lenta e cansada, como nós, e apenas se exaltam com a regularidade cósmica de um ciclo lunar. Arrumo tudo numa caixa e pergunto se vale a pena. Sim, se vale a pena levar o passado comigo e arrumá-lo num sótão, que será um dia revolvido por filhos ou netos. Não vale a pena.
Mas então o homem das mudanças entra em casa e avisa que o carro está à espera. E pergunta se a última caixa é para levar. O coração só é elástico quando somos adolescentes e estúpidos. Sorrindo por dentro, como sorrimos com um segredo, ou uma piada privada, digo que sim, que é para levar. Mas aviso: transporte com cuidado, por favor. Nada é mais frágil do que o passado".

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Apagar o Passado faz Parte

Esse blog continha muito de mim em outros tempos, eu não sou mais assim...
Apaguei o que escrevi... assim como apaguei de mim nesses anos tudo que senti...
Deixo para tras tudo o que não quero mais...
Minhas queixas...
Meus apuros...
Minha Insônia...
Meus Dias Escuros... (como diz a música)
E começo aqui uma nova fase... olhando para frente ... porque do passado que ficou quero apenas as amizades que restaram.
Então vamos renovar os textos e assim como o jornal de hoje e o lixo de amanhã, que assim sejam nossas dores que as frustações de ontem sejam esquecidas hoje...
Beijos JU